Justiça em Inhambane condena agentes da PRM a penas pesadas por venda de vagas em Matalana
Dois agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM), em Inhambane, foram condenados a penas que chegam aos oito anos de prisão maior, acusados de liderar um esquema de venda de vagas para ingresso na Escola Prática de Matalana. O julgamento, seguido de perto pela opinião pública, expôs um dos mais graves escândalos de corrupção dentro das fileiras da polícia nos últimos anos e terminou com uma sentença exemplar, lida pelo juiz David Foloco, da segunda secção do Tribunal Judicial da Província de Inhambane.
Segundo a acusação do Ministério Público, os agentes, identificados como Mário Eduardo António e Euclídio Nogueira, usaram as suas posições para organizar e liderar um esquema ilegal entre 2021 e 2022, durante os processos de admissão aos cursos 41 e 42 da Escola Prática de Matalana. Para garantir entrada aos candidatos, exigiam pagamentos que variavam entre 50 mil e 120 mil meticais, valores exorbitantes para jovens que aspiravam fazer parte da polícia. No total, o grupo arrecadou mais de 800 mil meticais, dinheiro que circulava em contas móveis e bancárias dos próprios agentes.
A leitura da sentença foi marcada por rigor e firmeza. “Considerando a acusação procedente e provável, com base nos factos acima indicados, decido em nome do povo moçambicano e condeno o arguido Mário Eduardo António pelos crimes de abuso de cargo ou função, na pena de um ano de prisão e dez meses de multa, com taxa diária de dois cêntimos de meticais sobre o salário mínimo da função pública. Pelo crime de simulação de competência, aplico a pena de quatro anos de prisão e 18 meses de multa, e pelo crime de associação criminosa, três anos de prisão. Em cúmulo jurídico, o arguido é condenado a pena única de oito anos de prisão e 28 meses de multa, além da taxa diária já indicada”, declarou o juiz David Foloco perante o tribunal.
No caso de Euclídio Nogueira, o tribunal entendeu haver provas inequívocas do seu envolvimento no esquema e determinou uma condenação de sete anos de prisão maior, pelo crime de associação criminosa. “Da perda clássica, prevista nos termos do artigo 137 do Código Penal, o valor apreendido nas contas bancárias e móveis tituladas pelos arguidos é declarado perdido a favor do Estado moçambicano, para o qual deve ser depositado”, prosseguiu o magistrado.
A sentença não se limitou às penas de prisão. O tribunal foi além e aplicou medidas de perda alargada, previstas na legislação sobre recuperação de activos. Todos os bens e património incongruente dos arguidos foram declarados perdidos a favor do Estado, incluindo imóveis e automóveis registados em seu nome. “Ao abrigo do regime jurídico especial da perda alargada de bens e recuperação de activos, declara-se perdido o património incongruente dos arguidos, devendo ser registado a favor do Estado na Conservatória do Registo Predial e Automóvel”, destacou Foloco.
No capítulo das penas acessórias, o juiz determinou ainda que os réus ficam proibidos de exercer qualquer função pública durante um período de três anos, por terem “perdido a confiança com o Estado moçambicano”. Foi igualmente fixada a obrigação de indemnizar as vítimas em sede de execução de sentença, consoante os prejuízos sofridos por cada uma. Para além disso, cada um dos condenados terá de pagar 800 meticais de imposto de justiça.
O tribunal sublinhou a gravidade do esquema, lembrando que este tipo de prática não só mina a confiança dos cidadãos nas instituições policiais, como também abre portas para que indivíduos não qualificados ingressem nas fileiras da PRM, colocando em causa a segurança pública. Para muitos candidatos e famílias que recorreram a este expediente, o sonho de servir o país transformou-se em frustração e perda financeira.
A decisão, considerada exemplar, envia um recado claro: a justiça moçambicana está disposta a endurecer a mão contra esquemas de corrupção que corroem a função pública. “Trata-se de um crime que fere a confiança depositada pelo povo moçambicano na Polícia da República de Moçambique e que não pode ficar impune”, frisou o magistrado, acrescentando que a corrupção tem de ser combatida com firmeza para salvaguardar a integridade do Estado.
Em Inhambane, a condenação foi recebida como um marco na luta contra a corrupção. Para alguns analistas, o caso mostra que a impunidade dentro da corporação já não é tolerada e que o sistema judicial começa a dar sinais mais fortes de combate a este tipo de crimes. Contudo, a questão que se levanta é se este julgamento terá um efeito dissuasor suficiente para travar práticas semelhantes noutras províncias do país.
A Escola Prática de Matalana é a principal porta de entrada para jovens que desejam ingressar na PRM. O processo de admissão é altamente concorrido, envolvendo milhares de candidatos por cada curso. A revelação de que vagas eram vendidas clandestinamente, a preços que variavam entre 50 mil e 120 mil meticais, levantou sérias dúvidas sobre a transparência da instituição e gerou forte indignação na sociedade.
Para as famílias que perderam poupanças, muitas vezes resultantes de empréstimos e sacrifícios, a decisão judicial traz algum alento, ainda que não apague os danos sofridos. O tribunal determinou que os réus devem ressarcir os valores cobrados, embora esse processo dependa agora da fase de execução da sentença.
O caso dos agentes condenados em Inhambane pode vir a servir de precedente importante para outros processos semelhantes, reforçando a necessidade de maior vigilância e mecanismos de controlo interno na PRM. A questão que se coloca é: como garantir que esquemas deste tipo não voltem a acontecer e que a integridade da polícia não seja novamente manchada por práticas de corrupção?
Para já, o tribunal deixou claro que, em nome do povo moçambicano, este tipo de crimes não pode passar impune. A condenação de Mário Eduardo António e Euclídio Nogueira não é apenas uma vitória da justiça, mas também um aviso: a função pública não pode ser usada para enriquecer à custa da esperança e da confiança dos cidadãos.